Rosamunde Pilcher era uma dona de casa inglesa que desde 1949 escrevia e publicava livros de romances para sua realização pessoal e também como uma fonte de renda adicional. Mas em 1984, seu editor Tom Dunne propôs que ela escrevesse um grande romance, que contasse a vida e as experiências de sua geração, que passou a juventude em tempos de guerra. Rosamunde reuniu suas memórias e criou personagens memoráveis no livro Os Catadores de Conchas, seu maior sucesso e que fez dela uma das escritoras mais famosas e bem-sucedidas da Inglaterra.
“Eu ainda não havia, é claro, chegado ao fundo da lixeira. As ideias estavam flutuando em minha cabeça, ideias que estavam vivendo comigo há algum tempo. Três temas diferentes.
Um deles eram as vidas dos boêmios de classe alta que sempre tiveram seu lugar na cultura da Inglaterra. Os Guiness, os Harlech, o grupo de Blooomsbury, e os arranjos domésticos animados de famílias como os MacNamara e os Augustus John. Tendo passado minha infância tão perto de St. Ives e sua colônia de pintores, escritores e escultores, esse estilo de vida era familiar para mim, e infinitamente atraente.
O segundo tema era o efeito desastroso que a perspectiva de uma herança, bens materiais e dinheiro pode causar em uma família absolutamnete normal. Cobiça e consumismo podem ser tão danosos e destrutivos quanto a inveja, e podem afastar irrevogavelmente pais e filhos, irmãos e irmãs.
E por fim havia a necessidade de escrever sobre os dias de antes da guerra, o que eu nunca havia feito. Naquela época as memórias haviam se tornado muito importantes, e havia uma nova geração que crescera sem nada saber sobre aqueles anos em que a Grã-Bretanha, rica e poderosa, vivia um clima social que imaginávamos ser o sol do meio dia, mas que era na verdade o ocaso, o sol se pondo enquanto a nação enfrentava, com alguma resolução, a ameaça assutadora do Terceiro Reich de Hitler.
Essas ideias navegavam e mudavam o curso e esperavam tomarem forma. O que finalmente as reuniu foi um programa de TV chamado “Pintando ao calor do sol“. Era sobre os pintores de West Penwith, na Cornualha. Eu havia conhecido alguns deles, e conhecia seu trabalho abstrato.Mas o programa não era só sobre as pinturas, mas também a terra que os havia inspirado. A justaposição de rostos, telas, penhascos, docas e o mar de uma vez reuniu o conceito como um todo, e assim nasceu Os Catadores de Conchas.” (Rosamunde Pilcher, Introdução, edição brochura, 1997)
Após sofrer um ataque cardíaco, Penelope Keeling deixa o hospital por conta própria e retoma sua vida tranquila entre suas plantas, sua casa e independência. Ela começa a relembrar sua juventude e decide voltar à Cornualha, onde viveu durante a guerra. Ao descobrir que os trabalhos do avô Lawrence Stern estavam valendo uma fortuna no mercado de arte, seus filhos Noel e Nancy começam a pressioná-la para que venda Os Catadores de Conchas e dois painéis inacabados, as únicas obras de Stern que continuavam na família.
Mas Penelope não quer vender os quadros, ou pelo menos se irrita com a pressão dos filhos, que na verdade estão interessados em sua parte do dinheiro. Ela havia criado os filhos com dificuldades mas com muito amor, e tentou transmitir a eles quais os valores que realmente importavam. O que dera errado?
A única filha que a compreendia era Olivia, editora de uma grande revista londrina. Após a morte de Cosmo, o ex-amante de Olivia com quem ela havia vivido um ano sabático na Espanha, Olivia pergunta se Penelope poderia receber a filha de Cosmo, Antonia, durante algum tempo, o que deixaria Nancy tranquila pois a mãe não ficaria sozinha. As duas se dão muito bem, e quando Penelope decide voltar à Cornualha e nenhum dos filhos pode ou quer ir com ela, Antonia e o jardineiro Danus são convidados e aceitam acompanhá-la.
O livro é uma delícia, cada capítulo tem o nome e trata de um dos personagens, e os flash-backs que contam o que aconteceu na época da guerra são inseridos na trama principal de forma natural e sem confundir a narrativa. Rosamunde Pilcher descreve os sons, cores, aromas e a paisagem de forma agradável e consegue nos envolver na narrativa, de tal forma que nos emocionamos em algumas passagens. Chorei ao ler e ao reler o livro e também ao ver o filme, que já vou comentar também.
Por algum motivo, Penélope sente que precisa voltar à Cornualha enquanto relembra sua vida e tudo o que viveu. Ela sente que o círculo está se completando e que Antonia e Danus são a nova geração e terão a chance de viver o que foi negado a ela. Valores como a amizade, o desapego, a generosidade, em contraponto com o egoísmo, o ressentimento e a amargura, nos causam emoção e oportunidade para refletir sobre o que realmente importa na vida.
Penélope é uma personagem admirável. Autêntica e simpática, ela não se importa com roupas, riqueza; para ela, como foi para seus pais, comida gostosa, uma lareira crepitante, um bom vinho são para serem compartilhados com os amigos. Nada vale a pena se não pudermos compartilhar com quem amamos. E todas as dificuldades da vida podem ser atravessadas, de uma forma ou de outra, com amor. O livro tem uma atmosfera aconchegante, nos faz querer ficar quentinhos em frente a uma lareira, apreciando a história criada com tanto capricho.
Rosamunde Pilcher usou diversos elementos autobiográficos no livro, apesar dele não ser uma autobiografia. Como Penélope, ela também nasceu em setembro, viveu na Cornualha na época da guerra, alistou-se na marinha, mas diferente de Penélope, teve um casamento longo e feliz, e uma longa carreira de escritora.
Depois de Os Catadores de Conchas, Rosamunde conheceu o sucesso (e a fortuna), e o livro está em catálogo até hoje, com vendas significativas. Ela escreveu uma continuação, Setembro, em que Noel, o filho mais novo de Penelope, conhece uma jovem inglesa tão original quanto sua mãe o fora, e vive o amor e o amadurecimento. Para quem já leu os Catadores, vale a pena conhecer a continuação.
A história foi adaptada para o teatro e duas vezes para a TV; assisti a versão de 1998, com Angela Lansbury no papel de Penelope. Da primeira vez que vi o filme, fiquei furiosa porque o roteiro mudou muita coisa importante do livro, não foi apenas uma adaptação. Trouxeram personagens de volta do mundo dos mortos, mudaram o final, fiquei uma fera. Mas revendo o filme agora, tendo acabado de reler o livro, pude apreciar cada obra isoladamente e acabei gostando e me emocionando também.
O filme dá mais ênfase à frustração de Penelope ao ver os filhos infelizes com as escolhas que fizeram, e tentando pressioná-la a fazer o que eles queriam que ela fizesse. Por fim, ela percebe que apesar de amá-los, não era mais responsável por eles e não deveria sofrer com as escolhas que eles fizessem.
Angela Lansbury interpreta Penélope com dignidade, e depois de ver o filme, é impossível não emprestar os rostos dos atores aos personagens do livro. Até mesmo o quadro mostrado no filme é muito bonito, com um belo estilo impressionista (apesar de não ser o estilo descrito como o de Lawrence Stern).
Depois dessa versão, foi feita uma minissérie em 2006 para a TV alemã, com Vanessa Redgrave como Penélope. Ao que parece, não vamos conseguir assistir essa versão da história por aqui. Uma pena.
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Ficha:
Os Catadores de Conchas (The Shell Seekers)
Rosamunde Pilcher, 1987
St Martin Press, 1ª edição, 1997 – 582 páginas, brochura
Bertrand Brasil, 1ª edição, 1999 – 700 páginas, livro
Para saber mais:
- Rosamunde Pilcher na Wikipedia (português ou inglês)
- Página do filme de 1998 no IMDb
- Compre o livro (em português ou em inglês) na Livraria Cultura