Este romance de Ken Follett conta a história da construção da catedral da fictícia cidadezinha de Kingsbridge, durante o período da história inglesa conhecido como Anarquia, até o assassinato de Thomas Beckett. Os personagens históricos aparecem como coadjuvantes, enquanto o centro da trama mostra as vidas de pessoas comuns, pequenos nobres, monges e bispos.
Pode parecer um assunto pouco interessante, mas Follett consegue prender a atenção do leitor nas mais de mil páginas dos dois volumes. A família de Tom Construtor vaga pelas estradas e florestas à procura de trabalho e comida, pois Tom ficou desempregado depois que Aliena, a filha do conde de Shiring, recusou casar-se com William Hamleigh e este cancelou a construção da nova casa. Entretanto, seu sonho é construir uma catedral. Sua mulher Agnes morre no parto e eles abandonam o bebê, que é salvo por um monge.
Tom e sua família prosseguem à procura de trabalho junto com Ellen e seu filho Jack, que moravam na floresta. Eles chegam à aldeia de Kingsbridge ao mesmo tempo que o prior Philip, que trouxe consigo o bebê abandonado, Jonathan. O garoto Jack põe fogo na velha igreja para que Tom seja contratado para construir a igreja nova.

William, Jack, Alfred, Tom e a pedreira da discórdia...
Durante os anos seguintes o prior Philip, Tom e seus filhos e aprendizes Alfred e Jack lutam para construir a catedral, enfrentando a falta de dinheiro, as oscilações dos poderosos no poder, de cujas decisões dependiam para conseguir a madeira e a pedra necessárias, a crueldade de William, que quer a todo custo vingar-se de Aliena, que também vive na aldeia e tornou-se uma próspera negociante, e a ambição de Waleran Bigod, que não se detém por nada para ter cada vez mais poder na igreja.
“Philip sentiu-se magoado e humilhado. O quadro era claro como o cristal: o bispo Waleran queria o condado de Shiring, com sua pedra e sua madeira, para construir o castelo, não a catedral. Philip fora tão-somente uma ferramenta, e o incêndio da Catedral de Kingsbridge, uma desculpa conveniente. Ele próprio e a catedral incendiada só tinham servido para despertar a religiosidade do rei, de modo a fazê-lo conceder o condado a Waleran.Philip viu-se como Waleran e Henry deveriam vê-lo: ingênuo, condescendente, cheio de sorrisos e reverências, enquanto o levavam para o abatedouro. Como o tinham julgado bem! Confiara neles, submetera-se à sua opinião, chegara inclusive a suportar suas desconsiderações com um sorriso corajoso, por achar que o estivessem ajudando, enquanto o tempo todo o traíam.
Ficou chocado com a falta de escrúpulos de Waleran. Relembrou a tristeza que vira nos olhos dele quando examinara a catedral em escombros. Naquele momento vislumbrara a piedade fundamente enraizada no seu coração. Waleran devia pensar que fins piedosos justificavam meios desonestos, a serviço da Igreja.
Philip nunca acreditara nisso. Eu jamais faria com Waleran o que ele está tentando fazer comigo.
Nunca se vira antes como simplório. Gostaria de saber onde errara.”
Apesar do tema principal ser a construção da catedral, as mulheres da história são fortes e decididas: Aliena perde sua vida confortável de filha de conde, é estuprada, consegue sobreviver à fome e à miséria, dá a volta por cima e torna-se próspera, perde tudo, e por fim consegue casar-se com o homem que ama, depois de 2 filhos e 15 anos de luta com a igreja para oficializar sua união. Ellen sempre foi forte e independente, e abandona o convento para ficar perto do homem que ama; quando ele é assassinado, ela cria o filho sozinha na floresta. Ao conhecer Tom, ela percebe que pode amar novamente, e segue com ele, apesar de não aceitar nenhuma imposição da igreja. Considerada bruxa, ela prefere viver sozinha novamente a abrir mão de suas ideias e liberdade.

Aliena é que era mulher de verdade...
A trama tem todos os elementos necessários para uma boa história: um cenário interessante, com alguns fatos reais como plano de fundo, personagens bem construídos, especialmente Philip, Aliena e Jack, se bem que os vilões da história são bem ‘planos': William Hamleigh é cruel, bruto e vingativo, e o bispo Waleran Bigod é ambicioso e obstinado. Também temos uma longa guerra civil, romance, montes de obstáculos para complicar a trama, reviravoltas políticas e, o que mais me agradou, uma descrição minuciosa de como era a vida no século 12.
Follett deve ter feito uma excelente pesquisa; lendo o livro ficamos sabendo como eram as casas, a comida, a higiene (ou a falta dela), como o povo era supersticioso e como a igreja conseguia controlar as massas administrando essa superstição. Especialmente interessante é o episódio da Madona que Chora; com um discurso convincente, Jack consegue o apoio dos padres de Canterbury e a devoção do povo em sua viagem de volta da França até a Inglaterra; eles contribuem com o pouco que têm para a construção de uma catedral para a Madona, uma estátua de madeira cujos olhos de pedra vertiam água quando havia uma mudança brusca de temperatura, o que o povo considerava um milagre.
Também aprendemos como era feita a construção de igrejas, como eram calculadas as proporções, os ângulos, quais as ferramentas que os mestres construtores usavam, a transição do estilo romano para o estilo gótico de arquitetura (e os motivos estruturais para tal) e os desastres e sucessos da construção da catedral de Kingsbridge durante mais de três décadas.
Os Pilares da Terra são a nobreza, o clero e o povo; durante o período mostrado no romance, a nobreza aos poucos vai perdendo o poder absoluto após um período de abusos dos barões feudais e passa a ser regulada, se não controlada, pela igreja. O povo ainda sofre nas mãos de reis e nobres tiranos e incompetentes, e depende deles e da igreja para saber em que direção seguir. Ainda restariam vários séculos até que eles pudessem assumir o controle de suas vidas. A igreja, auxiliada pela forte superstição geral (até mesmo nobres e monges eram vítimas dela), tem forte influência sobre o povo, e tenta atraí-los mais, através de sermões (uma novidade) e da participação das pessoas, para aos poucos melhorar as condições de vida delas. O prior Philip é um homem de fé, que deseja uma catedral em seu priorado, para louvar a Deus e atrair movimento e prosperidade à cidade, o que beneficiaria a todos. Seu forte senso de justiça é um contraponto ao egoísmo e ambição desmedidos dos poderosos.
“Os sermões estavam se tornando mais comuns nas igrejas. Eram raros no tempo em que Philip era garoto. O abade Peter sempre fora contra, dizendo que representavam uma tentação para o padre favorecer a si próprio. A visão antiga era de que os membros da congregação deveriam ser meros espectadores, testemunhando silenciosamente os misteriosos ritos sagrados, ouvindo as palavras latinas sem entendê-las, confiando cegamente na eficácia da intercessão do padre. Mas as idéias mudaram. Os pensadores progressistas já não viam os fiéis como observadores mudos de uma cerimônia mística. A Igreja deveria ser uma parte integrante da vida deles, presente desde o batizado, passando pelo casamento e nascimento dos filhos, até a extrema-unção e o enterro em solo consagrado. Deveria ser a dona de suas terras, seu juiz, empregador ou comprador.
Esperava-se que as pessoas, cada vez mais, fossem cristãs todos os dias, e não apenas aos domingos. Precisavam mais do que simples rituais, de acordo com o moderno ponto de vista: queriam explicações, ordens, encorajamento, exortações.”
William Hamleigh é o diabo em pessoa; furioso por ter sido rejeitado por Aliena, ele passa a vida toda tentando prejudicá-la, obcecado por ela. Para isso ele estupra, queima aldeias, explora seus servos, mata, alia-se ao poderoso da vez, sem nenhum escrúpulo. Ele protagoniza cenas de violência gratuita e a certa altura estamos torcendo para que seu fim chegue logo.
“Uma verdadeira fúria se apossava de Aliena sempre que ela viajava pelas propriedades que tinham feito parte do condado do seu pai.
As valas bloqueadas, cercas quebradas e currais desmantelados a irritavam; os campos estragados a deixavam triste; e as aldeias desertas partiam-lhe o coração. Não eram só as más colheitas. O condado poderia ter alimentado seus habitantes, inclusive naquele ano, se a administração houvesse sido correta.
Mas William Hamleigh não tinha noção de como administrar a terra. Para ele, o condado era uma arca do tesouro que lhe pertencia, e não uma propriedade que alimentava milhares de pessoas.
Quando seus servos não tinham comida, morriam de fome. Quando seus rendeiros não lhe podiam pagar, ele os expulsava das suas terras. Desde que se tornara conde a área cultivada diminuíra de tamanho, porque as terras de alguns rendeiros expulsos haviam retornado ao seu estado natural. E ele não tinha cérebro para ver que aquilo, a longo prazo, não era do seu interesse.
O pior era que Aliena se sentia parcialmente responsável. A propriedade era de seu pai, e ela e Richard não haviam conseguido recuperá-la para a família.”
Minissérie
Em 2010, estreou nas TVs do Canadá, EUA e Alemanha uma minissérie de oito capítulos baseada no livro de Ken Follett. A série foi exibida em 2011 no Brasil, no canal TCM.
Com excelente produção, orçamento de 40 milhões de dólares e um bom elenco, a história é contada de forma envolvente, se bem que foram feitas diversas alterações em detalhes da trama, para tornar tudo mais atraente para a tela. Por exemplo, fica mais interessante a morte do vilão em uma queda espetacular do que passar o resto da vida como um monge penitente, ou um acusado inocente cantando enquanto morre na fogueira (com bônus de uma tripla maldição sobre os responsáveis por sua morte) do que ‘apenas’ enforcado. E assim por diante.
Outros detalhes foram acrescentados ao roteiro, como a participação muito maior de Regan Hamleigh nas tramas políticas do bispo Waleran, inclusive com uma sugestão de incesto e a grande influência e controle que exerce sobre os atos do filho. Sua morte e a do marido, o conde Percy, também são bem diferentes entre livro e filme.
A minissérie é muito boa, e me fez querer ler o livro, cujas mais de mil páginas foram devoradas em menos de um mês. O único senão é que quando lia, eu imaginava os personagens com os rostos dos atores, o que é inevitável quando se vê o filme antes de ler o livro.

Philip, um cordeiro inteligente entre lobos...
Mesmo assim, talvez por causa das inúmeras alterações para o roteiro da série, a leitura acabou ficando ainda mais interessante. Foi quase como ler uma nova história. Diversas passagens, como o assassinato de Thomas Beckett, a peregrinação de Jack pela Europa, a conclusão da história de Jonathan, estão ausentes do filme. Aliás, o assassinato do arcebispo é narrado de forma literária, mas exatamente como é descrito nos documentos históricos. O livro também é bem mais detalhado, o que não torna a história cansativa, pois os detalhes enriquecem a história e nem sentimos as páginas e o tempo passarem.
Recomendo o livro e a minissérie (disponível em DVD), ambos excelentes. O livro teve uma continuação, Mundo Sem Fim, lançado em 2007 e que narra a história dos descendentes de Jack e Aliena 157 anos mais tarde, ainda em Kingsbridge, tendo como cenário a Guerra dos Cem Anos e a Peste Negra. Já está na minha lista de leituras!
Ficha:
Os Pilares da Terra (The Pillars of the Earth), 1989
Autor: Ken Follett
Tradutor: Paulo Azevedo
Editora Rocco, 1992 – 2 volumes (496 e 608 páginas)
Para saber mais:
– The Pillars of the Earth, na Wikipedia
– World Without End / Mundo sem fim, na Wikipedia
– Minissérie Os Pilares da Terra, no IMDb
– Resenha do livro feita pela Karine (Caderninho da Tia Helô)
– Compre o livro (vol. 1 e vol. 2) e o DVD na Livraria Cultura
Trailer: Os Pilares da Terra
httpv://www.youtube.com/watch?v=pU3bUJroGNg