Janice, Bill e Ivy Templeton eram uma família feliz, até que um estranho aparece em suas vidas com uma história inacreditável: a menina Ivy seria a reencarnação de Audrey Rose, a filha que Elliot Hoover havia perdido em um acidente há onze anos.
Vi este filme há muitos anos e depois li o livro; aliás, várias vezes. Além de ser um suspense envolvente, o tema da reencarnação me interessou muito. No Brasil essa ideia é bem aceita e para muitas pessoas, uma verdade indiscutível. Mas na década de 1970, nos Estados Unidos, não era assim.
Frank De Felitta publicou seu livro em 1975, e dois anos depois escreveu o roteiro para o filme baseado em sua história. Como o filme foi lançado algum tempo depois de O Exorcista, O bebê de Rosemary e A Profecia, não fez tanto sucesso, talvez porque as pessoas esperassem outro filme de terror sobrenatural.
Mas esta história não tem a ver com demônios ou possessão. Elliot Hoover era um cidadão comum, um engenheiro e executivo bem-sucedido com uma boa vida familiar. Mas em 1964 sua vida mudou quando a mulher e a filha morreram em um acidente de carro. A menina ficou presa enquanto o carro queimava, e suportou alguns minutos de puro terror antes do fim.
Dez anos mais tarde, ao buscar a filha na escola, Janice Templeton percebe que um estranho as estava seguindo. Alguns dias mais tarde, o homem se apresenta e pede para conversar com o casal. Ele diz que acredita que Ivy seja a reencarnação de sua filha Audrey Rose, e que ele não deseja nada além de acompanhar o crescimento dela e ajudar, se preciso. Como era de se esperar, os pais não acreditam.
Mas a menina tem pesadelos cada vez piores, queima as mãos no vidro frio da janela e o único que consegue acalmá-la é Hoover.
“-Compreende agora, Mrs. Templeton? É o brado de uma alma atormentada! A senhora suporta escutá-lo? Eu não!
-Então saia de nossas vidas! – bradou Janice – Isso só acontece quando você está por perto. Ivy esteve muito bem e muito saudável durante todos estes anos.
-Não, a senhora se engana! A saúde de sua filha é ilusória. Enquanto o corpo dela abrigar uma alma que não está preparada para aceitar as responsabilidades do carma da vida terrena, não pode haver saúde, nem para o corpo de Ivy, nem para a alma de Audrey Rose. Ambas estão em perigo!
Janice sacudiu a cabeça, como se desejasse livrar-se daquelas palavras.
-Não sei o que está dizendo…
-Estou dizendo que Audrey Rose voltou cedo demais.
Cedo demais? Oh, meu bom Deus, de que estará ele falando?
-Depois da Segunda Guerra Mundial, muitas crianças voltaram cedo demais. Vítimas de bombardeios e dos campos de concentração, atordoadas, confusas pela morte extemporânea, essas almas se apressaram a voltar para um útero, em vez de procurar o novo plano astral que lhes cabia.
Ele é maluco. Bill disse que ele era maluco. Bill tinha razão.
-E assim como elas, o mesmo aconteceu com Audrey Rose: fugiu de um horror e voltou para outro horror, em lugar de permanecer em um plano no qual poderia meditar e aprender a reconstruir a vida passada antes de procurar uma nova vida.
Hoover tinha os olhos marejados e sua voz estava embargada de emoção.
– Audrey Rose voltou cedo demais, Mrs. Templeton. E, por causa disso, Ivy corre grande perigo.”
Aos poucos Janice começa a acreditar que aquela história maluca possa ser verdade, especialmente ao ler os diários que ele lhe enviou, escritos durante os anos em que esteve na Índia. Quando Hoover leva a menina para seu apartamento, após um dos pesadelos, ele é preso e acusado de sequestro.
O caso vai a julgamento e quando Janice depõe a favor de Hoover, dizendo que acredita nele, Bill autoriza uma experiência de regressão induzida pelo hipnotismo para provar que ele está mentindo. A partir daí a tensão e o suspense aumentam, até o clímax terrível.
O livro traz ao final fac-símiles de documentos, recortes de jornal e cartas manuscritas para completar a história e dar a impressão de autenticidade. O artifício funciona bem, mas a história é fictícia. De Felitta disse que teve a ideia a partir de uma experiência de seu filho, que aos seis anos começou a tocar uma peça ao piano, instrumento que ele nunca havia estudado. Ele concluiu que isso só seria possível à luz da reencarnação, e começou a pesquisar para o livro.
Um ponto que sempre me incomodou foi que Ivy nasceu minutos depois da morte de Audrey Rose; segundo a teoria de Hoover, o espírito dela uniu-se ao corpo do bebê prestes a nascer. E que espírito habitava aquele corpo? Segundo ele, nenhum.
Não sabemos ao certo em que momento da gravidez a alma se une ao feto (segundo o Espiritismo, a união começa no momento da fecundação, mas só se completa no nascimento), mas não acredito que um bebê prestes a nascer não tenha uma alma. Quem já sentiu os movimentos do bebê na barriga da mãe não pode acreditar nisso. Também é pouco provável que a alma que habitasse aquele corpo tivesse se afastado para dar lugar à alma de Audrey Rose. Em todo caso, são detalhes usados pelo autor para corroborar sua teoria e dar verossimilhança à história. Basta darmos um desconto e apreciarmos a trama.
O filme de 1977 foi bem fiel à história, pois o roteirista foi o próprio Frank De Felitta. A parte do diário de Hoover foi deixada de fora, e apenas algumas imagens da Índia são mostradas durante o julgamento. Os pesadelos anteriores de Ivy e o relatório da psiquiatra também estão ausentes; Janice apenas menciona que Ivy teve pesadelos várias vezes, sempre perto do seu aniversário. No livro, os pesadelos estão associados à presença de Hoover, que esteve em Nova Iorque quando a menina tinha dois anos e meio, na época dos pesadelos.
Marsha Mason demonstra todas as nuances de sentimentos da mãe que passa da dúvida e incredulidade à aceitação tímida, depois à crença e a firme decisão de proteger sua filha a qualquer custo. A menina Susan Swift também está muito bem, e interpreta bem a transição dos pesadelos à vida atual, sem lembranças do que aconteceu. A sequência do hipnotismo também é muito boa. Pena que Anthony Hopkins tenha tido uma interpretação tão contida e distante; diferente da emoção intensa e contida que ele mostrou em Os Vestígios do Dia, por exemplo. Talvez o ator não acreditasse realmente nas verdades da personagem, quem sabe?
Mesmo assim o filme é bom, e um drama competente. O livro, como sempre, é mais detalhado, e uma narrativa envolvente. Recomendo ambos, mas entre os dois, prefiro o livro.
“Não há final. A alma nasce e morre. Tampouco, havendo existido uma vez nunca deixa de existir… Ela está além do tempo, do que aconteceu e do que há de vir”. (Bhavagad-Gita)
Ficha:
- As duas vidas de Audrey Rose
Frank De Felitta, 1974
1984, Abril Cultural
- As duas vidas de Audrey Rose (Audrey Rose)
1977
Direção: Robert Wise
Roteiro: Frank De Felitta
Elenco: Marsha Mason, Anthony Hopkins, John Beck, Susan Swift
Ficha no IMDb
– Compre o livro na Estante Virtual
– Crítica do filme no 50 anos de filmes
– Análise do livro segundo a filosofia espírita (fonte: uema.com.br)
– Assista ao filme no YouTube (em 8 partes, em inglês, sem legendas)
– Seleção de filmes para o Halloween, no Rato
Parte 1:
httpv://www.youtube.com/watch?v=JcXeUKhLdno&